COVID-19 afeta imigrantes de forma desproporcional em Massachusetts
Acompanhamento é fundamental para reforçar a confiança para ligar pacientes aos cuidados.
Posted on Jul 23, 2020
Quando uma família cabo-verdiana a viver em Boston foi diagnosticada com COVID-19, o vírus implicou mais do que um problema de saúde. A família precisava de leite em pó para o recém-nascido, mas não podia sair de casa, devido ao período de isolamento. E, visto serem imigrantes recém-chegados, não tinham familiares nem uma rede social na área para os apoiar. Precisavam de ajuda para recuperar e para garantir que o bebé continuava em boa saúde.
Este é apenas um de muitos casos em que o Programa de Rastreamento Comunitário (CTC, na sigla em inglês) de Massachusetts conseguiu intervir, com apoio social às pessoas imigrantes, neste caso, fazendo o leite em pó chegar à família e vendo como eles estavam ao longo do período da quarentena. Lançada em abril pelo governador Charlie Baker, o CTC é uma iniciativa estadual de rastreio de contactos, e tornou-se possível graças a uma parceria entre vários órgãos do estado, conselhos locais de saúde e a Partners In Health, que tem décadas de experiência global em resposta a surtos de doenças infeciosas.
"É realmente, realmente crítico que quando qualquer iniciativa de rastreio de contactos for lançada, se pense em grupos particularmente vulneráveis," diz Oscar Baez, coordenador de recursos de cuidado com o CTC. "Ficou muito claro, a nível nacional, que esta pandemia veio pôr a descoberto as desigualdades sistémicas preexistentes."
A COVID-19 ressaltou disparidades de saúde de longa data, enraizadas no racismo sistémico. As comunidades negras, hispânicas e nativas americanas foram, por todo o país, infetadas e mortas pelo vírus de forma desproporcional, devido aos fatores de risco (tais como uma carga mais elevada de problemas crónicos de saúde ou um acesso inconsistente a serviços de saúde) causados por décadas de políticas racistas entremeadas no tecido da sociedade, desde a habitação e emprego à educação e cuidados de saúde.
As áreas mais gravemente atingidas constituem a morada de não só comunidades de cor historicamente marginalizadas, mas também de comunidades de imigrantes que enfrentam barreiras sistémicas únicas no acesso a cuidados.
Com base no princípio de que os cuidados de saúde são um direito humano, a PIH e os seus parceiros do CTC acompanham os imigrantes à medida que estes atravessam as realidades diárias de uma pandemia que discrimina tanto quanto destrói.
'Uma Tempestade Perfeita'
Em Massachusetts, os dados refletem uma tendência nacional; a COVID-19 afeta de forma desproporcional as comunidades de cor. Os habitantes hispânicos representam 12% da população do estado, mas quase 30% dos casos de COVID-19; do mesmo modo, os habitantes negros representam cerca de 9% da população, mas 14,4% dos casos.
"Mesmo num estado como Massachusetts e numa cidade como Boston, onde temos instituições académicas e médicas de primeira linha, e um próspero centro de biotecnologia, ainda não alcançamos, a equidade entre raças e etnias no âmbito da saúde", diz Baez. "Isto aplica-se aos Estados Unidos no seu todo."
As comunidades de Massachusetts mais gravemente atingidas constituem a morada de grandes populações de imigrantes, tais como Chelsea, Lynn e Lawrence. Chelsea, uma cidade predominantemente hispânica onde os imigrantes formam quase metade da população, tem a maior taxa de positividade do estado.
Em Massachusetts, os dados refletem uma tendência nacional; a COVID-19 afeta de forma desproporcional as comunidades de cor. Os habitantes hispânicos representam 12% da população do estado, mas quase 30% dos casos de COVID-19; do mesmo modo, os habitantes negros representam cerca de 9% da população, mas 14,4% dos casos.
"Mesmo num estado como Massachusetts e numa cidade como Boston, onde temos instituições académicas e médicas de primeira linha, e um próspero centro de biotecnologia, ainda não alcançamos, a equidade entre raças e etnias no âmbito da saúde", diz Baez. "Isto aplica-se aos Estados Unidos no seu todo."
As comunidades de Massachusetts mais gravemente atingidas constituem a morada de grandes populações de imigrantes, tais como Chelsea, Lynn e Lawrence. Chelsea, uma cidade predominantemente hispânica onde os imigrantes formam quase metade da população, tem a maior taxa de positividade do estado.
Antes da COVID-19, os imigrantes a viver nestas comunidades marginalizadas já tinham de atravessar uma série de barreiras sistémicas na sua vida quotidiana, incluindo trabalho com salários baixos, barreiras linguísticas e, no caso dos imigrantes sem documentos, a ameaça iminente de deportação.
Quando a pandemia começou, estas condições sociais e económicas preexistentes criaram "uma tempestade perfeita para a vulnerabilidade," diz Baez.
A grande maioria dos imigrantes que integram a força de trabalho são trabalhadores essenciais que não podem realizar o seu trabalho a partir de casa. Enfrentam um risco acrescido não apenas no trabalho — onde, muitas vezes, não possuem equipamento de proteção individual —, mas também no respetivo percurso, que normalmente envolve a utilização de transportes públicos.
Para aqueles que vivem de salário em salário, que carecem de redes sociais dotadas de bons recursos e recebem poucos ou mesmo nenhum benefício social, um diagnóstico de COVID-19 — e as instruções para ficar de quarentena durante 14 dias — representam muito mais do que um problema de saúde.
"O vírus em si pode ser um caso de vida ou morte", diz Baez. "Porém, para muitas pessoas, a quarentena e o isolamento pode ser um caso de vida ou morte se não tiverem outros tipos de apoio social."
Quando lhes é pedido que fiquem de quarentena, muitos imigrantes veem-se confrontados com uma escolha assustadora — sobre se devem usar o pouco dinheiro que têm para pagar o aluguer ou para comprar comida. E para aqueles que dividem apartamentos superlotados com uma família alargada, devido à pobreza, a quarentena é um pedido quase impossível por si só.
O CTC visa abordar estes desafios com apoio social baseado na equidade. Os coordenadores de recursos de assistência, como Baez, puseram as pessoas em contacto com recursos que vão desde assistência de aluguer a entregas de refeições e produtos de limpeza.
O Grupo de Trabalho de Imigração do CTC apoiou recentemente um imigrante libertado da prisão cujo teste de COVID-19 deu positivo. O Grupo ajudou o homem a encontrar alojamento onde pudesse isolar-se em segurança, bem como a obter um seguro de saúde e os medicamentos prescritos.
O CTC também colocou os imigrantes em contacto com serviços de apoio à saúde mental, visto que muitos passaram a sofrer de depressão, ansiedade e ataques de pânico no seguimento do diagnóstico.
A equipa ajudou uma mulher sem documentos, sobrevivente da violência doméstica e que lutara contra pensamentos suicidas no passado, a entrar em contacto com um especialista em saúde mental de língua espanhola.
Acompanhamento Comunitário
Por muito devastadora que tenha sido a COVID-19, muitos imigrantes já enfrentaram dificuldades antes do surgimento da mesma, desde estarem deslocados do respetivo país de origem devido à violência social-estrutural às atuais políticas e práticas punitivas da imigração existentes nos Estados Unidos, particularmente para imigrantes sem documentos oriundos da América Latina.
"Quando falamos de imigrantes, costumamos pensar nas vítimas. Porém, mais do que vítimas, eles são sobreviventes," diz Humberto Reynoso, coordenador de recursos de assistência. "Eles enfrentam as dificuldades tanto no respetivo país de origem como nos EUA."
Em cada chamada, Reynoso tem como objetivo oferecer um ouvido atento e pôr as pessoas em contacto com recursos culturalmente relevantes.
A PIH aborda o rastreio de contactos como uma forma de acompanhamento, semelhante ao modo como os trabalhadores comunitários de saúde em todo o mundo oferece apoio aos pacientes necessitados. Para este fim, o CTC dá formação aos rastreadores de contacto para que os mesmos tenham em conta considerações sobre a imigração em todas as interações — especificamente barreiras legais, linguísticas, financeiras e digitais.
O idioma tem sido essencial para fornecer este acompanhamento. Quase 40 % das famílias em Boston falam em casa outro idioma que não o inglês. Em Chelsea, este número dispara para 70%.
O CTC trabalha com tradutores e funcionários multilingues com vista a conversar com os imigrantes no idioma em que se sentirem mais confortáveis. Baez - que fala vários idiomas - estima que 90% das suas chamadas são levadas a cabo noutro idioma que não o inglês, principalmente em espanhol e em português.
O CTC também estabelece parcerias com organizações locais que têm laços profundos com as comunidades, cultivando assim a confiança e encontrando soluções relevantes, como alimentos culturalmente apropriados num banco alimentar.
O trabalho toca profundamente muitos funcionários do CTC.
Berlyn Olibrice, coordenadora de recursos de assistência natural do Haiti, trabalhou em vários casos na comunidade haitiana-americana do estado e viu pessoas hesitarem em obter ajuda devido ao estigma em torno do coronavírus.
"No meu trabalho, tento atravessar essa hesitação com as pessoas e dizer-lhes: 'Não há problema em procurar ajuda na sua própria comunidade'", diz Olibrice, que fala crioulo haitiano e espanhol. "Não vamos julgá-lo porque tem este vírus. As organizações locais estão lá para o apoiar."
Baez também traz experiência em primeira mão para este trabalho, tendo, em criança, imigrado da República Dominicana para os EUA. Uma vez, atendeu a uma chamada que vinha de um prédio de habitação social do outro lado da rua, onde Baez cresceu. O interlocutor tinha testado positivo para a COVID-19 no mesmo centro comunitário de saúde onde Baez ia fazer exames médicos em criança.
Construção da Confiança
Embora o trabalho do CTC se estenda por Massachusetts, o CTC concentrou os seus esforços nos locais onde o vírus fez mais danos e nos locais onde é mais urgente rastrear a doença e impedir a propagação; estas áreas incluíram, de forma desproporcional, comunidades de imigrantes.
O rastreio de contactos é um processo completamente confidencial e a participação é voluntária. Os rastreadores de contacto não fazem perguntas sobre o estatuto de imigração. Não é divulgada nenhuma informação ao público nem é partilhada com outras agências governamentais, incluindo as que são responsáveis pela aplicação da lei. Contudo, a desinformação sobre o processo tem levado a preocupações com a privacidade.
Estas preocupações são especialmente acentuadas nas comunidades de imigrantes, nas quais os imigrantes sem documentos vivem com a constante ameaça de deportação e os que têm cartões verdes temem perder o acesso a benefícios públicos.
Como resultado, muitos imigrantes mostram relutância em atender ao telefone quando surge um número desconhecido, e ainda mais quanto a divulgar informações pessoais, como os seus contactos.
Para responder a estas preocupações, os rastreadores de contacto garantem aos pacientes — por vezes, com a ajuda de um tradutor — que todas as informações são tratadas de forma confidencial e que o estatuto de imigração não será partilhado com ninguém.
O CTC também lançou campanhas de sensibilização, criando folhetos e recursos online em vários idiomas, para educar o público a respeito do rastreio de contactos e desfazer mitos comuns. Além disso, estabeleceu parcerias com organizações comunitárias locais, centros de saúde e concelhos municipais, com vista a organizarem câmaras municipais virtuais em vários idiomas, incluindo em espanhol.
"A confiança é a nossa maior moeda nesta luta", diz Baez. "Precisamos verdadeiramente de confiança, mesmo em ambientes onde impera o medo, para superarmos isto juntos."